Título: Antes do lançamento, pacientes já fazem fila por vacina contra HPV
Autor: Lopes, Adriana Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Vida&, p. A20

A Gardasil, vacina do laboratório Merck contra o papilomavírus humano (HPV), responsável por 70% dos casos de câncer de colo do útero, tem tudo para ser um dos maiores blockbusters já vistos. Mesmo ainda sem ter chegado ao mercado brasileiro, pacientes, clínicas e hospitais já fazem 'fila' para comprá-lo.

Na última semana, uma das maiores revendedoras de vacinas de São Paulo, a Sar Medicamentos Especiais, organizou um cadastro com 60 clientes que pediram para serem avisadas imediatamente após a chegada da vacina. 'Planejamos comprar 2 mil doses. É uma ótima quantidade para um produto novo, mas o estoque pode acabar em 15 dias', avalia a vendedora Raquel Marques dos Santos. O grupo Diagnósticos da América, que inclui os laboratórios Delboni e Lavosier, também pretende comprar 2 mil doses, segundo Ricardo Cunha, médico responsável pelo serviço de vacinas da empresa.

O laboratório Fleury, que ainda não definiu a compra, recebe no mínimo cinco ligações diárias de pacientes em busca de informações sobre a vacina. 'A maioria deixa contato para retornarmos quando ela chegar', diz Márcia Wehba Cavichio, médica do setor de vacinação do Fleury. 'Esse tipo de procura só é comum quando falta um produto no mercado.'

Cauteloso, o laboratório Merck pretende reservar para o Brasil 30 mil doses iniciais. 'Acreditamos que no primeiro ano 10 mil mulheres serão imunizadas no País, conta João Sanches, diretor de Comunicação Corporativa da Merck. 'Mas temos estoque se a procura for maior.' Na Europa e nos EUA, já foram vendidas 1 milhão de doses desde julho. 'Estamos bem acima da expectativa de vendas no exterior', diz Sanches.

Um dos motivos de precaução no Brasil pode estar relacionado ao preço. A vacina foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto, mas o valor de venda está sendo definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão do governo federal que regula o valor dos medicamentos no País. Calcula-se que o preço de cada dose fique entre R$ 500 e R$ 700 - nos Estados Unidos ela custa US$ 120.

O valor estimado no Brasil, que não é mais segredo nem para os pacientes e muito menos para os médicos, não impediu, no entanto, que a procura pela vacina nos consultórios fosse grande desde a aprovação na Anvisa.

IDADE RECOMENDADA

Há dez pacientes à espera da Gardasil no consultório do coordenador da Obstetrícia do Hospital São Luiz, Soubhi Kahhale, por exemplo. A maioria com mais de 30 anos. Na clínica da ginecologista Albertina Duarte, coordenadora do programa Saúde do Adolescente da Secretaria Estadual da Saúde a situação é impressionante. 'Tenho cem mulheres esperando a vacina ser liberada, todas com mais de 28 anos', afirma ela.

A Gardasil foi aprovada tanto na Europa, como nos Estados Unidos e no Brasil para a mulheres com idade de 9 a 26 anos. Significa que alguns médicos pretendem indicá-la para quem está fora da faixa etária determinada pelo protocolo. 'Não há diferenças no sistema imunológico de mulheres mais velhas que possam interferir significativamente no efeito da vacina', acredita o ginecologista Kahhale. 'Os anticorpos aumentam em qualquer idade. Aliás, stress, por exemplo, interfere muito mais no sistema imunológico que a idade.' Albertina, que também vai indicar a vacina para mulheres mais velhas, acredita que se trata de 'mais uma maneira eficaz de prevenção, a qual qualquer mulher tem direito'.

De acordo com o ginecologista Sérgio Mancini Nicolau, chefe do setor de Oncologia Cirúrgica do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a única real contra-indicação é para gestantes. 'Cada caso deve ser analisado pelo médico. Por exemplo, a chance de quem já teve HPV, independentemente da idade, estar imunizado contra os tipos de vírus cobertos pela vacina é muito grande.'

A estudante L.C (ela pediu para não ser identificada), de 22 anos, teve a doença aos 16 e já está com receita médica para tomar a Gardasil. 'Quando soube, fui ao medico e ele me indicou', diz ela. 'Só sei que não quero passar de novo por isso.' A doença, que na maioria das vezes não tem sintomas, é transmitida pelo contato sexual - não precisa haver penetração para se contaminar.

A vacina foi desenvolvida para combater os vírus do tipo 16 e 18, principais responsáveis pelos casos de câncer de útero e os tipos 6 e 11, que respondem por 90% das verrugas genitais.

A aplicação é feita em três doses - a segunda é dada dois meses depois da primeira e a terceira, após seis meses da inicial. O tempo de imunização comprovado em pesquisas é de cinco anos. O HPV pode ser detectado pelo papanicolau, exame que checa alterações da célula no colo do útero.

A Merck investe em pesquisas clínicas para comprovar a eficácia da vacina em mulheres mais velhas e também em homens - os vetores da doença. A CMED tem até o fim do mês para liberar o preço do produto. A data de lançamento da vacina depende disto.