Título: AIEA acusa Congresso dos EUA de mentir sobre Irã
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2006, Internacional, p. A17

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) acusou ontem o Congresso dos EUA de exagerar as dimensões do programa nuclear iraniano e de divulgar informações 'errôneas', 'absurdas' e 'desonestas' sobre o trabalho da agência nas inspeções em Teerã.

A acusação foi feita em uma carta enviada aos deputados americanos em reação a um relatório da Comissão de Inteligência da Câmara, que insinua que a AIEA estaria sendo pouco dura em suas investigações no Irã. Segundo a carta, o relatório da comissão, que foi divulgado em 23 de agosto, contém sérias distorções em relação às descobertas da AIEA sobre a atividade nuclear do Irã.

Entre os vários pontos criticados pela agência está a afirmação de que o Irã estaria próximo de produzir urânio para uso militar. Para a AIEA, essa informação é 'errônea e sem substância'. Segundo a agência, o país somente teria essa capacidade se conseguisse enriquecer urânio a pelo menos 90%. Hoje, o enriquecimento seria todo monitorado pela agência e chegaria a taxas de apenas 3,5%.

AIEA também responde à conclusão do relatório da comissão de que o inspetor Chris Charlier foi afastado de suas funções na agência por insistir em revelar tudo o que sabia sobre o Irã. Para a AIEA, a informação é 'desonesta'.

O relatório do Congresso surgiu em um momento em que não apenas se discute como obter informações sobre Irã, como também se questiona como os Estados Unidos falharam antes dos atentados de 11 de setembro de 2001. Por isso, a comissão pede que a CIA e Pentágono 'não se intimidem' em suas investigações, alertando que os EUA precisam de melhores informações sobre Irã.

Tradicionalmente discreta e pouco aberta à imprensa, a agência surpreendeu ontem ao procurar jornalistas para difundir seu ponto de vista.

O temor da AIEA é de que, assim como ocorreu nos meses que antecederam a guerra no Iraque, suas opiniões e conclusões sejam ignoradas. 'Queremos deixar as coisas claras', afirmou Melissa Fleming, porta-voz da agência.

A carta foi endereçada ao presidente da comissão da Câmara, Peter Hoekstra, do Partido Republicano. Dominada por aliados do presidente George W. Bush, a comissão afirma que o 'Irã não estará satisfeito até representar uma ameaça a todo o mundo'.

Para diplomatas consultados pelo Estado e que trabalham com o tema de desarmamento na ONU, a iniciativa da AIEA é a primeira de uma verdadeira guerra de informação entre a ONU e o governo americano sobre o Irã .

Nos Estados Unidos, o porta-voz da comissão, Jamal Ware, reagiu dizendo que 'não há erros no relatório' . Segundo Ware, a comissão ainda vai decidir se responde oficialmente à carta da agência.

O relator do documento da comissão foi Frederick Fleitz, um dos principais assessores do embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, que atuou como um dos maiores defensores da guerra contra o Iraque.

Recentemente, ele teria tentado evitar que o diretor da AIEA, o Nobel da Paz Mohamed El-Baradei, obtivesse um terceiro mandato no comando da agência.

Para diplomatas na ONU, o que mais surpreende na iniciativa da AIEA é a determinação da agência em não deixar que sua mensagem sobre inspeções seja ignorada. Na guerra contra o Iraque, os inspetores da agência não conseguiram encontrar as armas que Washington acusava Bagdá de possuir. Até hoje, porém, as armas não foram encontradas.

No caso do Irã, as inspeções estão ocorrendo desde 2003, mas a realidade é que os deputados americanos podem estar se aproveitando do histórico das inspeções da agência no Irã. A AIEA já se deparou com várias descobertas de projetos que o Irã não havia informado à comunidade internacional. 'Parece que já vimos esse filme antes, mas o país se chamava Iraque', concluiu um diplomata europeu.