Título: Ameaça ao FGTS
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo deu sinal verde para que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, prepare um projeto de lei destinado a autorizar o uso de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no financiamento de obras de infra-estrutura, como estradas, portos e ferrovias. A proposta, com evidentes motivações eleitorais, parece ignorar que o dinheiro do FGTS pertence aos trabalhadores e tem destinação específica - habitação e saneamento básico - desde sua criação, na década de 60.

O FGTS tem, hoje, ativos de R$ 176 bilhões, distribuídos em mais de 100 milhões de contas, das quais cerca da metade está ativa - ou seja, recebem depósitos regulares.

Mas o Fundo já teve de ser saneado algumas vezes. Nas décadas de 60 e 70, emprestou imprudentemente recursos para Estados e prefeituras investirem em saneamento básico e perdeu recursos. Voltou a ser usado levianamente nos anos 1990 e 1991, no governo Collor, tendo de ser reestruturado entre 1992 e 1995. Pouco operou nesse período, com graves conseqüências para a indústria da construção civil - o setor que mais contribui para a Formação Bruta de Capital Fixo. Com as restrições ao aumento de endividamento de Estados e municípios, praticamente cessaram as operações do Fundo no setor de saneamento básico.

Recuperado, o FGTS voltou a ser a grande fonte de recursos para a habitação. Com os recursos do Fundo, sua gestora, a Caixa Econômica Federal (CEF), liberou créditos habitacionais vultosos: R$ 3,066 bilhões, em 2002; R$ 2,697 bilhões, em 2003; R$ 3,865 bilhões, em 2004; e R$ 5,478 bilhões, em 2005. Em 2006, o FGTS concedeu empréstimos de R$ 3,7 bilhões, no primeiro semestre, prevendo um total de R$ 9 bilhões a R$ 10 bilhões até dezembro, já incluídos subsídios de R$ 1,3 bilhão, destinados às operações com as camadas de renda mínima.

A recuperação financeira do FGTS ocorreu no governo Fernando Henrique. Foram trocados créditos do Fundo por títulos do Tesouro, mais rentáveis. Hoje, o Fundo tem cerca de R$ 50 bilhões em caixa e é superavitário em R$ 22 bilhões. O governo federal quer usar a maior parte deste valor para a realização de obras de infra-estrutura. "O Brasil é um país em construção e sempre precisará de recursos para investimentos", justificou o ministro das Cidades, Márcio Fortes. "A única ressalva que faço é que será preciso preservar os recursos do FGTS que hoje vão para habitação e saneamento."

O governo, no entanto, não tem condições de prever a demanda de recursos para habitação nos próximos anos. Além disso, as aplicações envolveriam risco, pois o FGTS subscreveria cotas de fundos que investiriam em infra-estrutura - ficando o prejuízo, em caso de insucesso, com os trabalhadores.

Os argumentos do setor da construção civil contrários à medida têm fundamento: já há recursos para projetos de infra-estrutura, como os da Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico (Cide) - dinheiro que o governo não aplica, utilizando-o para fazer superávit primário.

Em 1998, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) havia combatido o uso do dinheiro do FGTS no financiamento do seguro-desemprego. Mas agora apóia a mudança. "Não podemos ficar apenas financiando a dívida pública", disse Luiz Gonzaga Tenório, representante da CUT no conselho do FGTS.

A proposta, segundo o Estado, será submetida ao conselho curador do FGTS e, depois, enviada ao Congresso. O conselho do Fundo tem sido cauteloso no exame de propostas de liberação de recursos que não sejam para saneamento e habitação. Em 2002, por exemplo, chegou a autorizar a aplicação de recursos no Programa Pró-Transporte, por sugestão da Confederação Nacional do Transporte. Mas, diante da falta de projetos viáveis, o conselho vetou o emprego do dinheiro nesse programa. É imperioso, agora, que o conselho impeça tentativas de uso eleitoral do FGTS.

Os investimentos em infra-estrutura devem ser feitos com recursos orçamentários ou das parcerias com o setor privado. Nunca com fundos que constituem patrimônio dos trabalhadores.