Título: Que me desculpe Alckmin
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2006, Economia & Negócios, p. B12

Geraldo Alckmin é um político sério e competente. Se ganhar as eleições presidenciais, tem experiência e liderança para fazer uma boa administração. Infelizmente, parece que a necessidade de conquistar votos o está levando a falar sem avaliar o que diz.

Foi o caso de três declarações contra a política econômica e o Banco Central. Sobre a autonomia legal deste, Alckmin disse que ¿teoricamente a medida é acertada¿, mas não seria prioridade em seu governo. ¿A prioridade é o crescimento da economia.¿ A autonomia, disse, não é importante para o PSDB, que tem um ¿histórico de credibilidade fiscal¿. Ou seja, quem precisa dela é Lula.

Com todo respeito, a declaração não faz sentido. Como mostrei aqui domingo, a autonomia legal aumenta a confiança, contribui para baixar os juros e cria a obrigação de prestação de contas. Somente três países da América Latina não adotaram a medida: Brasil, República Dominicana e Guatemala. O Banco Central boliviano é legalmente autônomo desde 1995.

A literatura mostra uma correlação negativa entre autonomia legal e inflação, ou seja, quanto maior a primeira, menor a segunda. Nos países que adotam o regime de metas de inflação, como o Brasil, a autonomia legal reduz a volatilidade do PIB. Estabilidade, juros em queda e baixa volatilidade do PIB aumentam o investimento privado. Assim, se a prioridade é o crescimento, a concessão da autonomia legal é uma das saídas.

A medida transforma o BC em órgão de Estado, com capacidade de resistir a ações voluntaristas de futuros governos. A importância da medida não está na credibilidade de determinado partido, mas na necessidade de dotar o Brasil de boas instituições.

A segunda declaração foi sobre o pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para Alckmin, a decisão foi ¿burrice, burrice, burrice¿, pois se trocou dívida barata por outra mais cara, a interna. Pelo raciocínio, o Brasil deveria ter apenas dívida externa, dado que esta será sempre mais barata, salvo quando o governo dá calote na dívida interna e limita a remuneração dos investidores, como no Plano Collor. Felizmente, isso é coisa do passado.

Pagar a dívida com o FMI valeu a pena. Vários países fizeram o mesmo. A experiência mostra que isso ajuda a obter o grau de investimento das agências de avaliação de riscos, o que faz cair os juros internos. Resultado: haveria menores custos para o Tesouro e redução adicional da vulnerabilidade externa. Para entender a importância de uma vulnerabilidade menor, basta observar como a recente turbulência nos mercados financeiros não causou danos à economia.

Na terceira declaração, Alckmin fez uma grave acusação. Aludiu a ¿populismo cambial¿, sugerindo que o BC promove a valorização cambial para baixar a inflação e ajudar Lula a reeleger-se. Nada mais injusto. O BC vem construindo sua credibilidade desde as reformas dos anos 1980, que lhes deram a feição de autoridade monetária clássica. No governo de Fernando Henrique Cardoso, ganhou autonomia operacional. Pragmaticamente, Lula reforçou esse status. Ora, não dá para imaginar que o BC jogaria fora esses avanços e a reputação de sua diretoria para atingir objetivos eleitorais.

Ao criticar a política econômica e o BC, Alckmin agrada segmentos como o do empresariado. Acontece que seus integrantes dificilmente votariam em Lula. Assim, além de desperdiçar o verbo, o candidato pode criar problemas para si caso venha a se eleger.

Político inteligente e sensato, ele perceberia as vantagens de conceder autonomia legal ao BC, continuaria a reduzir a dívida externa (caso as condições de liquidez internacional o permitissem) e dificilmente cederia às pressões para promover a desvalorização artificial da moeda. Seria alvo das mesmas críticas que o PSDB faz a Lula, isto é, de dizer uma coisa na campanha e fazer outra quando assume a Presidência.

Sou um admirador do ex-governador Alckmin e peço que me desculpe a ousadia da sugestão: pare de criticar a política econômica, procure realçar os desvios éticos do PT e do governo Lula, e convença o eleitor de que faria melhor nos programas sociais e na gestão do governo.

Em outras palavras, tente provar que em seu período o Brasil cresceria em ritmo maior, mas não porque mandaria mudar juros e câmbio. Felizmente, isso não está mais ao alcance do presidente, a não ser que assuma os respectivos e enormes riscos políticos.

* Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)