Título: Agilidade argentina contrasta com lentidão do Brasil na aftosa
Autor: Eduardo Magossi
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2006, Economia & Negócios, p. B18

Quatro meses após descoberta dos focos, ainda há animais que não foram abatidos no País

O fim do embargo da União Européia à importação da carne brasileira proveniente de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná pode estar mais longe que o previsto inicialmente. Relatório da visita de técnicos sanitários europeus realizada em janeiro nas regiões afetadas pela aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná indicou que "enquanto o Brasil alcançou alguns progressos consideráveis na área de rastreabilidade desde a última visita da União Européia, melhorias importantes em outras áreas ainda são necessárias", principalmente nas questões de certificação, vacinação e vigilância sanitária.

Ao invés do fim do embargo esperado, principalmente para o Estado de São Paulo, onde a aftosa não foi encontrada, a União Européia optou por aumentar ainda mais o controle de certificações para a carne exportada para a UE. Segundo o representante comercial da Delegação da Comissão Européia no Brasil, as decisões tomadas até o momento têm como foco apenas a certificação, e não o âmbito geográfico.

Ao mesmo tempo que aumenta o controle sobre a documentação exigida para os embarques brasileiros quatro meses após o foco, a União Européia adota restrições muito mais amenas para o foco encontrado na Argentina. Ao contrário do embargo brasileiro que envolve três importantes estados produtores, o embargo à Argentina se limitou aos departamentos ao redor do foco na província de Corrientes.

"Muita gente prefere dizer que a decisão é fruto de protecionismo ou de implicância com o Brasil, mas a decisão da União Européia demonstra claramente a falta de credibilidade existente hoje nas ações de defesa sanitária no país", declara Pedro Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), pecuarista e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura.

Na opinião de Camargo, caso o Brasil tivesse seguido as normas e os procedimentos internacionais no combate à aftosa, os embargos já estariam sendo revistos. "Quatro meses depois do foco, a questão do Paraná ainda não está resolvida, nem os animais foram abatidos, enquanto na Argentina os animais já foram abatidos, a área isolada e todos os procedimentos feitos em dias. Isto é uma vergonha para o Brasil."

"Quem criou esta situação foi o próprio governo brasileiro que tem deficiência na aplicação das políticas públicas de defesa sanitária", concorda o consultor de agronegócios, Ênio Marques, ex-diretor de defesa agropecuária do Ministério da Agricultura. Segundo Marques, enquanto a Argentina seguiu fielmente os procedimentos e as normas internacionais do combate à aftosa, o Brasil se perdeu no embate de políticas locais, o que gerou incerteza para os europeus.

"A questão mais gritante continua sendo a do Paraná, onde os animais ainda nem foram abatidos, e quando os europeus apresentaram um questionário para o governo federal responder sobre o assunto, não havia condições de responder porque muitas ações foram tomadas localmente, sem nenhum respeito aos acordos internacionais", disse. Segundo ele, o Brasil está priorizando ações regionais em detrimento de um procedimento homogêneo e de acordo com as normas internacionais. Para Marques, diante desta situação, o embargo mais brando na Argentina é perfeitamente natural.

Segundo a analista Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria, além da questão da credibilidade maior existente na Argentina, deve-se levar em conta as relações históricas entre Argentina e Europa, que sempre foram tradicionalmente melhores que as do Brasil. Ela lembra que, mesmo na cota Hilton, o sistema de cotas que retira impostos das importações de carne bovina para a Europa, a participação argentina sempre foi maior que a brasileira.

Nos últimos cinco anos, as exportações brasileiras de carne bovina para a União Européia subiram 140,6%, ante um crescimento de 302% das exportações argentinas, ressalta a analista. Jerry O'Callaghan, diretor da unidade de carnes da Coimex, disse que o setor exportador já esperava uma postergação do fim do embargo. "Diante das observações feitas pelos técnicos na última visita, ficou claro que não seria desta vez que o embargo da UE seria levantado", disse.