Título: Armadilha comercial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O Brasil pode ter-se metido em mais uma custosa armadilha comercial, ao ratificar, em novembro de 2003, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. A reunião dos 131 países ligados por esse acordo, marcada para os dias 13 a 17 de março em Curitiba, poderá resultar em graves prejuízos para as exportações agrícolas brasileiras. Os delegados brasileiros terão que agir com firmeza e competência para evitar a imposição de obrigações excessivas a exportadores de produtos que possam conter organismos vivos modificados (OVMs), produzidos pela moderna biotecnologia.

O Brasil é o maior exportador agrícola comprometido com o protocolo, assinado em 2000. A Argentina e o Canadá não o ratificaram. Os Estados Unidos nem chegaram a assiná-lo. São três poderosos competidores livres das obrigações criadas por esse acordo.

O protocolo é um subproduto da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. Seu objetivo é a criação de condições de segurança para a movimentação de organismos geneticamente modificados e capazes de multiplicação, como sementes destinadas a plantio e grãos comercializados para consumo animal ou humano.

Na reunião de Curitiba serão discutidas normas de identificação e certificação de cargas com a possível presença de organismos vivos modificados. O Brasil e a Nova Zelândia defenderam, na reunião anterior, no ano passado, o uso da expressão "pode conter OVMs" para identificar as cargas com possível presença desses organismos. Outros países preferem uma expressão mais precisa: "Contém OVMs."

O uso desta segunda expressão pode resultar em obrigações complexas de análise dos tipos e das quantidades desses organismos presentes em cada remessa. Os controles poderão ser necessários tanto nos portos de saída quanto nos de entrada e isso envolverá complicações técnicas a respeito de métodos de análise.

Se a questão for tratada com exagero - risco dificilmente evitável -, a certificação das cargas poderá envolver procedimentos caros e demorados, com graves prejuízos para a capacidade competitiva do Brasil. Países produtores e exportadores de organismos modificados já são obrigados a fornecer as informações essenciais a um banco internacional de dados. A exigência de uma identificação precisa pode resultar, no entanto, na obrigação de testes basicamente redundantes, para a identificação minuciosa do conteúdo de cada carregamento.

As decisões sobre como implantar o protocolo podem afetar, entre outros procedimentos, a embalagem, o transporte e o armazenamento de grãos, como lembra o economista Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Os custos de laboratório aumentarão com o número de amostras sujeitas a testes e de acordo com o tipo de análise imposto pelo protocolo.

O advogado e pesquisador Rodrigo C. A. Lima, do Icone, menciona em artigo publicado no jornal Valor uma estimativa de custos para os 22 milhões de toneladas de soja e grão vendidos pelo Brasil no ano passado. Os testes poderiam custar entre US$ 21,54 milhões e US$ 43,08 milhões, de acordo com a complexidade dos exames necessários.

O primeiro passo para uma boa participação do Brasil na conferência de Curitiba é uma definição objetiva e sensata, no interior do governo, dos interesses comerciais brasileiros. O País é o terceiro maior exportador mundial de produtos agropecuários. Tem uma posição destacada no campo da pesquisa agropecuária. Dispõe de uma biodiversidade invejável e tem capacidade para preservá-la sem renunciar à disputa de mercados em todo o mundo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve decidir se o País defenderá com firmeza e objetividade os seus interesses, ou se a delegação nacional irá a Curitiba enfraquecida por divergências internas e pronta para ceder espaço aos principais competidores. Serão estes, ninguém tenha dúvida, os beneficiários de qualquer hesitação dos negociadores brasileiros. Mas uma parte das autoridades de Brasília, com mais vocação para ONG do que para governo, tem sido incapaz de entender esse fato elementar. Se as opiniões desses grupos pesarem na definição da estratégia brasileira, exportadores americanos e argentinos agradecerão.