Título: Avião, carros e trens da alegria
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

O noticiário dos últimos dias revela ou ameaça novos e sensíveis avanços nos gastos com a logística da classe política, envolvendo um grande avião e opções mais variadas em terra, estas no sentido literal ou figurativo. Já critiquei a compra do novo avião presidencial e não pretendia voltar ao tema, mas não resisti à provocação a economistas que veio com as justificativas de custos e benefícios dadas pela Aeronáutica ao apresentar a aeronave.

Segundo os jornais, dois argumentos se destacaram. O primeiro é que a Airbus Industries (AI), que vendeu o avião por US$ 56 milhões, realizará no Brasil investimentos de US$ 95 milhões como "contrapartida". Ora, esse dinheiro é da empresa e virá em busca de rentabilidade num mercado nada desprezível como usuário de seus aviões e peças de reposição (como é o caso de quase toda a frota da TAM), e como fabricante, comprador e fornecedor de componentes (em que pontifica a Embraer). Assim, além de ganhar com o avião, a AI ganhará também com o investimento e não se pode garantir que este não viria sem a compra realizada; mesmo com essa condição, o que deveria entrar na avaliação seriam os benefícios e os custos que viriam com esse investimento, e não o valor total deste. Recorde-se que ele também traz custos para o País, como a remuneração do capital investido.

O segundo argumento é o da economia de combustível ensejada pelo novo avião, pois o Sucatão (nome pelo qual é conhecido o velho Boeing que o presidente utilizava para vôos internacionais) consome quase o triplo por hora voada. Nessa linha, a Aeronáutica concluiu que o avião novo "se pagará" em dez anos por conta dessa economia de combustível.

Ora, imagine-se alguém procurando se livrar de um carro velho e beberrão e buscando outro mais econômico, mas bem mais caro, o que não pode ser ignorado. A comparação da Aeronáutica, contudo, deixa de lado o custo do capital necessário e da depreciação do novo equipamento. E mais: com o avião adquirido via déficit público e dívida adicional que rola a juros elevados, se ela fizer os cálculos perceberá que governo provavelmente vai pagar mais de juros sobre essa dívida do que economizará de combustível. Além disso, segundo o noticiário, o Sucatão beberrão não será vendido, mas destinado a outras missões.

Numa análise de custos e benefícios para valer, além de incluí-los todos, caberia avaliar o resultado correspondente de alternativas à opção escolhida. Do que já li nos jornais sobre o assunto, continuaria apostando na alternativa de substituir os dois Sucatinhas (os dois Boeings, menores, também utilizados pelo presidente) por aviões de nova geração da Embraer, os quais já podem voar praticamente por todo o País sem escalas, alcançando também vários países vizinhos a partir de Brasília. Para vôos mais longos, haveria ocasionalmente o recurso a aviões fretados.

Em perspectiva, o maior custo desse avião para o governo Lula será político, pois o tema certamente será aproveitado pela oposição para desgastar o governo, particularmente na batalha deste pela reeleição. Com seus pousos, decolagens e uso permanente, o avião presta-se a imagens emblemáticas de uma decisão como outras em contraste com o que se esperava do governo Lula.

Passando a outras decisões governamentais voluntariosamente tomadas, chamou-me a atenção uma inovação só aparentemente não dispendiosa. Segundo a Folha de S. Paulo do dia 13, um banco custeou a aquisição de 63 automóveis novos (totalizando cerca de R$ 3 milhões) para uso dos deputados estaduais da Bahia, como contrapartida de prestar serviços bancários à Assembléia Legislativa local. Anteriormente, só membros da Mesa Diretora e líderes de partidos dispunham de carros oficiais.

A notícia não fala de mais motoristas e dos demais custos de manutenção dos veículos, mas se pode imaginar que em algum momento levarão a mais gastos. Ademais, a contrapartida do banco poderia ter vindo sob a forma de menores tarifas pela prestação desses serviços, o que representaria uma economia de recursos para a Assembléia.

E há os já tradicionais trens da alegria. Um deles passou pela Câmara dos Deputados e é outro caso de decisão em benefício próprio, além de significar também o financiamento público de campanhas eleitorais, um tema cuja introdução formal ainda se debate, embora já praticado por outros meios. Um deles é a profusão de assessores pessoais, na realidade, um grande grupo a trabalhar pela reeleição do parlamentar, além de outras disfunções como a acomodação de amigos e parentes.

Essa anomalia é antiga, mas há poucos anos foi criada uma verba adicional para permitir a manutenção de escritórios de representação dos deputados federais nos seus Estados, verba essa que era de R$ 12,7 mil por mês. Com a passagem do trem, vai agora para R$ 15 mil por mês. E apita outro no horizonte, pois já está pronto um projeto de resolução que aumenta de R$ 35,3 mil para R$ 45 mil por mês a verba dos gabinetes individuais em Brasília, além de ampliar de 20 para 25 o número de funcionários que os deputados poderão contratar livremente. Não será surpresa se trens como esses passarem também pelo Senado e, ainda, se vier mais um ampliando os salários dos congressistas, pois é tema que usualmente ganha espaço nos entendimentos para a renovação das Mesas do Congresso Nacional, que ocorrerá em breve.

Estava já trabalhando neste artigo quando recebi pela Internet mensagem com frases atribuídas a Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA. Uma delas é radical, mas parece inspirada por notícias na mesma linha ao afirmar que "um governo é como um bebê: um canal digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra".