Título: Aftosa ameaça pecuária leiteira
Autor: Raquel Massote
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Economia & Negócios, p. B21

Depois de ter registrado pela primeira vez um superávit na balança comercial de lácteos, com um saldo positivo de US$ 11,4 milhões no ano passado, o setor leiteiro voltou ao déficit no primeiro semestre deste ano. Os motivos foram a valorização do real frente ao dólar e os preços mais altos pagos ao produtor no mercado interno nos primeiros meses do ano. Entre janeiro e junho, a balança de lácteos ficou negativa em US$ 17,9 milhões. Parte das perdas foi recuperada entre julho e setembro, quando o déficit diminuiu para US$ 8 milhões. Agora, há o temor de que a descoberta de focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul ameace a retomada das vendas externas de produtos lácteos. As cooperativas de leite acreditam, entretanto, que as vendas não serão prejudicadas, já que a maior parte dos produtos vendidos é industrializada, reduzindo o risco de contaminação. A maior parte dos produtos exportados é composta pelo leite em pó, creme de leite e leite condensado.

O presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite, Rodrigo Alvim, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), alerta que o foco pode criar resistência à importação de leite. Argentina e Rússia já suspenderam as importações de produtos brasileiros, e teme-se que o México adote a mesma medida.

O México é considerado estratégico para o Brasil, por ser o maior importador de lácteos do mundo com um volume anual de aproximadamente US$ 1 bilhão. A conclusão das negociações envolvendo o acordo sanitário entre os dois países levou cerca de dois anos e foram necessárias três viagens oficiais para esclarecer as dúvidas das autoridades mexicanas. Um dos principais questionamento daquele país era justamente o controle da febre aftosa em território brasileiro. "O México pode pedir a revisão do acordo de equivalência", teme Alvim.

O diretor do Departamento Econômico da Confederação Brasileira das Cooperativas de Leite (CBCL), Vicente Nogueira, não acredita que a identificação de focos da doença traga grandes prejuízos às vendas externas. Segundo ele, o déficit da balança comercial do setor foi motivado também pelo aumento das importações do produto. Os dados divulgados pela entidade mostram que, entre janeiro e setembro deste ano, a comercialização para o mercado externo de produtos lácteos atingiu US$ 88,2 milhões, um incremento de 53% em relação ao mesmo período de 2004 (US$ 57,5 milhões). De outro lado, as importações subiram praticamente no mesmo ritmo, em 56,4% para US$ 96,3 milhões, com a compra de produtos principalmente da Argentina e Uruguai. "As exportações continuaram crescentes e o déficit foi motivado pelo aumento das importações em volume acima do esperado", diz Nogueira.

Ele acredita que o déficit na balança comercial do setor lácteo é momentâneo. Ele afirma que até maio e junho o preço pago ao produtor chegou a R$ 0,70 o litro no mercado à vista, o que motivou alguns agentes a buscar o produto em países vizinhos. "Agora o que está acontecendo é justamente o inverso, pois existe um excesso de produção e os preços estão caindo, o que viabiliza as exportações", avalia.

O Brasil deverá atingir uma produção de 25 bilhões de litros de leite este ano. Com o aumento da oferta, o valor médio pago pela indústria em setembro foi de R$ 0,48 por litro de leite, uma queda de 17,4% em relação ao mesmo mês do ano passado, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP.