Título: Acordo reduz preço de antiaids
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2005, Vida&, p. A24

AVALIAÇÃO: Os US$ 0,63 pagos por unidade do Kaletra não devem durar muito tempo. Quando o seu substituto, o Meltrex, entrar no mercado, o Brasil deverá desembolsar US$ 1,10 por unidade, o que garante, assim, o lucro do laboratório. "Mesmo assim, é um preço imbatível", afirma o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa. Para o ex-coordenador do Programa Nacional de DST-Aids, Paulo Teixeira, o preço do Meltrex deveria ser o mesmo cobrado pelo Kaletra. Teixeira avalia que o País ganharia muito mais se tivesse declarado a licença compulsória do medicamento. "Poderíamos ter problemas", afirmou, no entanto, o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, ao falar sobre o início da produção do remédio pelos laboratórios oficiais e sobre a necessidade de testes de bioequivalência.

Teixeira considerou o argumento infundado. "Nossa qualidade já foi comprovada", disse. Para ele, o recuo pode ter reflexos negativos nas negociações da licença voluntária de outros dois anti-retrovirais. "Com esse desfecho, os governos saem enfraquecidos para negociar."

Sob as críticas de ONGs e de especialistas, o Ministério da Saúde anunciou ontem o acordo com o laboratório Abbott sobre o novo preço do anti-retroviral Kaletra. A partir de fevereiro do próximo ano, cada unidade do medicamento passará a custar US$ 0,63. Uma redução significativa, diante dos US$ 1,17 cobrados atualmente. Com o novo preço, o Brasil deverá economizar US$ 339,5 milhões - dinheiro que, segundo o ministério, deverá ser redirecionado para ações de prevenção contra a doença.

Com o novo contrato, fica descartada a possibilidade de o País lançar mão da licença compulsória do medicamento, quebrando sua patente. Recurso ao qual por diversas vezes o Brasil ameaçou recorrer, caso não se chegasse a um preço razoável. O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, negou que a ameaça fosse apenas uma bravata. "Não era uma tática vazia de palavras toscas. Se não chegássemos a um acordo honroso, o País lançaria mão do recurso."

Além da redução do preço, o acordo prevê a possibilidade de o País usar o medicamento que deverá substituir o Kaletra, o Meltrex, tão logo ele entre no mercado. Quando isso ocorrer, o preço do tratamento deverá sofrer um acréscimo de 10%, conforme adiantou o Estado, na semana passada. O contrato, que prevê o fornecimento do medicamento até 2011, não condiciona o preço ao número de pacientes atendidos. Isso significa dizer que o preço se mantém, havendo aumento expressivo ou redução significativa dos pacientes que usam o remédio. Não foi feito acordo sobre transferência de tecnologia para a produção do Kaletra.

Embora o Ministério da Saúde tenha anunciado o acordo como uma grande vitória, especialistas não pouparam críticas ao desfecho de uma novela que começou há mais de um ano. "É um acordo péssimo. Laboratórios oficiais se comprometeram a oferecer o remédio por US$ 0,41. Ganhavam pacientes, ganhava a indústria nacional", afirmou Mário Scheffer, do Conselho Nacional de Saúde. Ele afirma que o acordo deverá ser discutido na próxima reunião do conselho, que há menos de dois meses havia determinado que o governo interrompesse as negociações e declarasse a licença compulsória. "O acordo fere uma decisão do conselho, que tem poder deliberativo e que o ministro preside", lembra Scheffer. Não está descartada a possibilidade de o conselho ingressar com uma ação contra o acordo.

O ex-coordenador do Programa Nacional de DST-Aids, Paulo Teixeira, afirma que o acordo traz uma série de "senões." A começar pelo preço fixo, até 2011. "Tradicionalmente o preço cai com o passar dos anos", lembra. Ele também contesta o fato de o País pagar mais pelo Meltrex, candidato a substituto do Kaletra. "Não se trata de uma inovação. É uma alteração pequena no remédio, que qualquer laboratório brasileiro poderia fazer." Teixeira considera também como uma dos maiores falhas do acordo a não-inclusão de uma cláusula de transferência tecnológica. O ministro afirmou que tal tópico seria inócuo, pois o remédio está prestes a ser substituído. E o Brasil já poderia fabricar o Kaletra.

"É um argumento inaceitável", diz Teixeira. "O País sempre tem a ganhar com transferência tecnológica", completa.