Título: Agronegócio e desenvolvimento
Autor: José Tadeu Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

Uma das palavras mais pronunciadas no Brasil ao longo dos últimos anos é "reforma". Projetos não faltaram. Alguns se materializaram depois de mutilados e fragmentados, outros se perderam pelos caminhos políticos de suas tramitações e ainda outros aguardam a oportunidade de voltar à discussão. Todos padecem da inexistência dos elementos essenciais: diagnóstico preciso, projeto consistente e planejamento adequado. Acabam não resolvendo os problemas, mesmo quando sacrificam direitos e afetam a vida dos cidadãos e suas expectativas. O agronegócio sustenta o País há décadas. Os números são inquestionáveis: em 2004, as exportações relacionadas ao agronegócio atingiram US$ 39 bilhões, ante importações de US$ 4,9 bilhões, ou seja, houve um saldo positivo de US$ 34,1 bilhões. Considerando que o superávit de toda a balança comercial foi de US$ 33,7 bilhões, conclui-se que o conjunto dos demais setores, agronegócio à parte, registrou um déficit de aproximadamente US$ 400 milhões.

Os dados referentes ao primeiro semestre deste ano mostram que o agronegócio continua crescendo, apesar das previsões de safra menor, causada por problemas climáticos, e da valorização do real em relação ao dólar, fator prejudicial às exportações. O saldo da balança comercial do setor nos primeiros seis meses é de US$ 17,7 bilhões.

Os resultados apresentados pela cultura da soja são bem um demonstrativo do potencial agrícola do País. Com produtividade superior à americana e custos inferiores, tudo leva a crer que dentro de alguns anos a produção brasileira superará a dos Estados Unidos. Mesmo afetada pelas intempéries, a próxima safra de soja deve crescer em relação à do ano passado, ficando acima de 50 milhões de toneladas, ante uma previsão inicial de 60 milhões de toneladas, bem mais próxima da safra americana (66 milhões de toneladas). Outras culturas também apresentam resultados expressivos, como é o caso do arroz, que deve ter safra recorde, acima de 13 milhões de toneladas. A produção de carnes (frangos, bovinos e suínos) também mostra evolução significativa.

Muitos analistas internacionais já apontam o Brasil como o maior produtor mundial de alimentos dentro de alguns anos. O diagnóstico não é difícil de ser feito. A maior área agricultável disponível no planeta está no País: são cerca de 100 milhões de hectares ainda disponíveis para a produção agrícola. O Brasil utiliza hoje menos de 70 milhões de hectares. Some-se a isto um crescente aumento de produtividade verificado por um grande leque de culturas ao longo dos últimos anos, graças ao investimento em pesquisa e ao desenvolvimento de novos cultivares e de tecnologias mais adequadas às nossas condições climáticas e de produção. E, paralelamente ao crescimento da agricultura e da agropecuária, a indústria de alimentos se desenvolveu, ganhou competitividade e destaque em várias áreas, tornando-se um elemento fundamental na geração de empregos e renda.

Não há projeto de desenvolvimento para o Brasil que desconsidere o agronegócio. A área disponível para utilização agrícola é fator competitivo único, até porque nenhum país dispõe de condições sequer parecidas com a situação brasileira. A necessidade de gerar empregos é outro fator decisivo na opção pelo agronegócio, no qual postos de trabalho são criados a partir da menor necessidade de investir recursos financeiros, quando a comparação é feita com outros setores da economia. Entretanto, a existência de tantas condições favoráveis demonstra, para além de todo o progresso obtido, que ainda estamos longe de um desempenho que possa ser considerado ideal.

O Brasil precisa melhorar sua posição no comércio internacional e isso não se fará sem planejamento e ações eficazes que partam de exemplos paradigmáticos. Se foi possível com a soja, então é possível fazer o mesmo com outros produtos. Mas há uma série de fatores atravancando a cadeia produtiva. Para que funcione precisamos de estradas melhores, portos ágeis, modernos e de baixo custo, logística mais apurada (com escoamento otimizado e menor tempo de estrada) e um crescimento exponencial da armazenagem no âmbito das fazendas (nos países mais avançados, mais da metade dos silos existentes são rurais, quando no Brasil eles representam cerca de 15%). O financiamento da produção (incluindo plantio, compra de máquinas e equipamentos) é melhor que há cinco anos, mas ainda está longe do desejável: falta, por exemplo, vincular o empréstimo ao produto. E falta também formar mais recursos humanos em todos os níveis, o que implica estimular a criação de cursos voltados para o agronegócio (precisamos de mais engenheiros agrícolas, agrônomos, técnicos e tecnólogos), amplificar a tecnologia de equipamentos, desenvolver e disponibilizar cultivares adequados para um número mais variado de produtos e investir na garantia de sua qualidade final.

Voltando ao tema das reformas, apesar da atmosfera positiva que cerca uma das áreas mais sadias do governo, a da agricultura, creio que se trata de reformar, sobretudo, certas concepções ultrapassadas que dificultam as ações políticas do agronegócio, como a ênfase do imediatismo e uma excessiva preocupação com o próprio quintal. É, de fato, importante construir uma estratégia de oportunidades, porém é preciso fazê-lo no contexto de um projeto de visão estratégica do futuro cuja consistência seja a medida do retorno social obtido em qualidade de vida, a ocupação de um espaço internacional compatível com o potencial agrícola brasileiro e, por fim, o fortalecimento do agronegócio e de suas numerosas conexões com o processo de desenvolvimento do País como um todo.