Título: Afogado em dívidas, Serra pára obras e esquece da saúde nos primeiros 90 dias
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2005, Cidades, p. C1

O prefeito José Serra (PSDB) ganhou a fama de "descascador de abacaxis" no meio político pela sua obstinação. Talvez não esperasse encontrar um abacaxi de casca tão dura quando assumiu a Prefeitura de São Paulo, há 90 dias. Durante os primeiros três meses de governo, completados ontem, Serra teve de gerenciar uma dívida que chega a R$ 38 bilhões ao todo, parou obras, cancelou o pagamento de credores e enfrentou uma violenta greve de perueiros. Não bastasse isso, precisou deixar de lado sua prioridade de campanha, a Saúde, e não conseguiu até agora imprimir uma marca à administração. Na área de Saúde, as principais metas incluídas no programa de governo, como a regularização do fornecimento de remédios nos 400 postos municipais, a duplicação do número de equipes do programa Saúde da Família, a construção do Hospital do M'Boi Mirim e a conclusão das obras do Hospital Cidade Tiradentes, ainda não saíram do papel.

"Para nós que usamos os serviços públicos tudo continua igual. Os problemas são os mesmos. Demora muito para agendar consultas e nunca tem remédio", afirmou a dona de casa Elbi Borges, de 54 anos, que na tarde de anteontem esteve em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na Casa Verde, zona norte, em busca de um remédio para sinusite. Teve de voltar para casa de mãos vazias (veja texto abaixo).

A principal justificativa da administração para os problemas enfrentados até agora é a situação financeira. Um balanço enviado anteontem pela gestão Serra ao Tribunal de Contas do Município sustenta que, ainda que vendesse todo seu patrimônio e recebesse tudo o que tem para cobrar, a Prefeitura teria um saldo negativo de R$ 5,2 bilhões. "A situação encontrada por nós foi absolutamente irreal", afirmou o secretário de Governo, Aloysio Nunes Ferreira, para quem, em 90 dias não é possível fazer a avaliação do governo.

Esse quadro fez Serra deixar de lado as realizações e se concentrar no gerenciamento da crise. As medidas adotadas incluem a paralisação de todas as obras, entre elas a construção de Centros Educacionais Unificados (CEUs) e projetos viários como o Complexo Jornalista Roberto Marinho, e o congelamento de 31,6% do orçamento, de R$ 15,2 bilhões.

Nas ruas, o principal efeito desse aperto é a sensação de inoperância em serviços básicos, como operações de limpeza de ruas, tapa-buracos e corte de grama. O secretário da Coordenadoria de Subprefeituras, Walter Feldman, alega que em relação ao último trimestre de 2004 houve aumento dos serviços, embora reconheça que a contenção das despesas tem prejudicado o setor. "Mesmo assim temos conseguido fazer mais com menos."

Até a semana passada, por exemplo, só 21% (82.013) dos 397 mil bueiros da cidade tinham sido limpos. A situação era mais grave nos córregos: de 1,2 mil quilômetros, só 36,4 (3%) tiveram o mato cortado e o lixo retirado.

Na área dos Transportes, além de enfrentar uma greve de perueiros no último mês que terminou em confronto com a polícia, Serra teve de aumentar o preço da passagem de R$ 1,70 para R$ 2,00.

Além da melhoria da Saúde, outra promessa de campanha não cumprida até agora é o fim da cobrança das taxas de lixo e luz. Serra não só manteve as duas como já fala na criação de uma nova taxa: a da inspeção veicular.