Título: 'Foi um holocausto cruel e inútil', desabafa Lando
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Nacional, p. A6

Ex-ministro admite que deixa o ministério decepcionado com o Planalto e o Congresso e frustrado por não ter tido tempo de apresentar seu plano para melhorar a Previdência

BRASÍLIA - Depois de amargar seis meses no topo da lista dos demitidos da reforma ministerial, o senador Amir Lando (PMDB-RO) deixou finalmente o Ministério da Previdência Social para retomar, ontem, seu gabinete no Senado. Embora só tenha passado o cargo ao sucessor, senador Romero Jucá (PMDB-RR), na terça-feira, há muito Lando se intitula um ex-ministro. Tanto que, a despeito da alegria do retorno ao Congresso ele não nega nem dissimula o sofrimento que lhe foi imposto. "Foi um longo processo de mortificação, um holocausto cruel e inútil para ambas as partes, seja o governo ou o ministro, confessa.

Lando assume que é grande a decepção com os personagens mais ilustres do Palácio do Planalto e do Congresso, depois do processo de fritura no qual foi exposto à execração pública de forma humilhante. Teve de buscar na família, a força necessária para suportar "a campanha odiosa pela minha saída". Nem por isso, volta rompido com o PMDB ou migra para a oposição. "Não tenho mágoa; tenho a frustração de ter concebido um plano para melhorar a Previdência há meses e não ter tido a oportunidade de aplicá-lo". Mas que fique claro uma coisa: acabaram os tempos de solidariedade extrema, em que suportou só e em silêncio os ataques da sociedade e do Congresso à idéia que nem era sua - de aumentar a contribuição previdenciária para cobrir parte do rombo no setor.

O senhor está aborrecido por ser o único ministro político que volta ao Congresso porque perdeu a cadeira?

Encaro minha volta com absoluta naturalidade até porque o cargo de ministro é transitório por essência. Além disso, a política é sempre um pouco de catarse, de oscilação entre a ascensão gloriosa e a queda humilhante. Como advogado, creio na Justiça e no interesse coletivo das leis. Mas na política é fatal: todos os que sobem descem.

O senhor se sente jogado aos leões pelo Planalto e pela cúpula do PMDB?

Não há o que lamentar. Essa é a realidade. Não tenho medo de assumir idéias do governo, nem mesmo quando a autoria não é minha. Desde o início eu pus meu cargo à disposição do presidente e tive a certeza de que iria sair. Mas tive de passar por essa via crucis purificadora, da imagem inicial de vilão à figura da vítima. Só suportei em silêncio em nome do interesse maior da Nação, que exige do homem público todo o sacrifício.

Faltou solidariedade do Planalto ao senhor neste processo?

O governo é um ente racional; é a pura razão. Não pode apiedar-se da dor alheia nem dos dramas individuais do agente público. E a razão sempre anda em confronto com o sentimento. Desse modo, eu nem posso julgar o governo nem pedir a ele este tipo de comportamento humano.

E o PMDB? Seu partido também o decepcionou?

O sábio não pode invocar o confronto da decepção que nada mais é que a verdade colhida prematuramente. No caso da bancada, tive o apoio necessário. Minha saída da Previdência não foi posta como questão partidária até porque um partido fragmentado, carente de unidade, não está apto para isso.

Como é voltar para a defesa desse governo no Congresso? Acredito nos projetos de interesse público do governo e sou servo da cidadania. Por isso, servirei com tranqüilidade e convicção o governo em todas as propostas que tenham identidade com o que eu penso e com o interesse da Nação.

Sua relação com a cúpula do PMDB, com governo e com líderes governistas está abalada? O senhor se sente injustiçado?

Na vida pública, não podemos perder de vista o principal. Picuinhas e detalhes só podem ser levados em conta na vida afetiva. Sendo assim, não houve abalos na minha relação com as lideranças do governo.Política não se constrói com ódio, mágoa ou qualquer outro sentimento sectário, e sim na clemência e no perdão. É preciso relevar as falhas e fraquezas humanas. Ninguém é reto como a linha e a vida não é uma manifestação puramente lógica e coerente .

Que conselho o senhor daria ao governo hoje para melhorar sua relação com o Congresso?

O momento é de ebulição congressual e, nos momentos de crise, é preciso ter discernimento, equilíbrio e conhecimento da riqueza das circunstâncias. A ação do governo deve ser cautelosa no sentido de entender a complexidade do momento. É hora de abolir os confrontos acessórios. Tem que haver um ajuste entre o que o governo quer e o que o Congresso é agora.