Título: Embraer está pronta para a briga
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2005, Economia, p. B12

Diretor- presidente da empresa diz que canadense Bombardier atiçou "cachorros grandes" ao anunciar seus novos aviões Em 2004, a Embraer teve o melhor desempenho de seus 35 anos. Entregou 148 jatos, 47 a mais que no ano anterior, e o lucro líquido bateu em R$ 1,2 bilhão. Tornou-se parceira de um projeto militar do governo americano junto com a Lockheed Martin que pode chegar a US$ 7 bilhões em 20 anos. Começou ainda as entregas de sua nova família de aviões, a Embraer 170/190. Uma conquista foi especial: os pedidos de 45 Embraer 190 e 15 Embraer 175 para a Air Canada, empresa sediada no mesmo país de origem da arqui-rival Bombardier. Agora, a empresa se prepara para outra batalha. A concorrente canadense acaba de anunciar o lançamento de uma linha de aviões para concorrer com os jatos da Embraer. Os novos aviões, chamados de série C, brigarão também com os jatos de pequeno porte da Airbus e da Boeing. Para a Embraer, a família 170/190 é a grande aposta para ultrapassar de vez a Bombardier na liderança do mercado mundial de aviões regionais. Foram justamente esses aviões que contribuíram para os resultados tão expressivos da empresa em 2004.

"A Bombardier terá uma concorrência árdua pela frente", avalia Maurício Botelho, diretor-presidente da empresa brasileira. A Embraer não deixará brechas para a rival. "Se houver qualquer sinal de financiamento irregular do governo canadense, você pode estar certo: vai se criar outro caso internacional", promete Botelho. A seguir, a entrevista concedida por Botelho ao Estado, depois da divulgação dos resultados da empresa, ontem, em São Paulo.

O sr. disse, durante a apresentação do balanço, que a Bombardier enfrentará concorrência árdua com a sua nova linha de aviões. Como vai ser essa concorrência?

Em primeiro lugar, vai enfrentar grandes dificuldades mercadológicas. Eles estão pulando no quintal dos cachorros grandes. Vão concorrer com Boeing e Airbus e isso não é fácil. Nós, marginalmente, competimos com Boeing e Airbus e, quando fazemos isso, temos saudade das disputas com a Bombardier. Esse pessoal tem a pata bem pesada. Outro problema dos canadenses é que, quando os aviões saírem, dentro de no mínimo cinco anos, nós já estaremos estabelecidos no mercado. E, depois, eu tenho dúvidas tecnológicas a respeito desse avião. Eles anunciam custos operacionais 20% menores. Só que não há tecnologia disponível para isso. Não entendemos como essa redução pode ser alcançada. Não conheço nenhuma turbina capaz de economizar 20% de combustível.

E a questão dos subsídios do governo canadense?

Nós estranhamos o financiamento desse projeto por duas razões. Uma é o apoio do governo, que seria coisa de US$ 700 milhões. E não somos só nós que estamos prestando atenção a isso. Boeing e Airbus também querem saber o que o Canadá vai dar para esse competidor, que começa a entrar no quintal deles. Brasil, Estados Unidos e União Européia estão procurando entender cada detalhe da estrutura de financiamento. E, se houver problemas, pode estar certo: vai se criar outro caso internacional. A outra razão é de onde vão sair os outros dois terços do dinheiro do projeto, o equivalente a US$ 1,3 bilhão. Dizem que é de fornecedores, de geração de caixa, etc. Mas a Bombardier está com uma estrutura de capital complicada. Os títulos da empresa já estão classificados pelas agências de risco como "junk bond" (alto risco para os investidores).

Então, esse lançamento é um erro da Bombardier?

Eles estão numa situação que é a seguinte: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Estrategicamente, eles estão hoje em posição de desvantagem em relação a nós e vão encontrar pela frente reações fortíssimas.

A China tem um projeto de avião regional bastante parecido com o da família 170 e, ao mesmo tempo, o governo é parceiro de vocês na fábrica chinesa do ERJ 145. Não é uma situação complicada?

Eles têm alguns anos pela frente até que os jatos regionais fiquem prontos. E, depois, não basta produzir apenas o avião, é preciso ter uma ampla estrutura de atendimento aos clientes, uma presença global. O avião é um bem de capital e o fabricante tem que mantê-lo cumprindo sua função por 40 anos. Até a China ter um avião produzido em série que possa responder a todos esses quesitos, ainda vai demorar. Não tenho dúvida de que a China tem capacidade técnica para desenvolver um avião do porte do 170 /190 e vai fazê-lo. Mas acho que os chineses terão dificuldades muito grandes para se firmarem no mercado internacional.

E a parceria?

Nossa parceira na fábrica chinesa é a Avic II, uma das estatais chinesas de aviação. A que está desenvolvendo o novo jato é a Avic I . São empresas bem distintas, que atuam de forma independente. O nosso foco na fábrica é o avião 145, que é bem diferente do 170. É claro que nós vamos querer entrar no país com a família 170. Sabemos que a competição vai ser dura porque é óbvio que o governo vai proteger a sua indústria.

A fábrica da Embraer na China tem quase dois anos e só montou seis aviões. Costuma-se apontar a falta de regulamentação para a aviação regional como um das razões para vendas tão pequenas. É esse realmente o entrave que impede a fábrica chinesa de deslanchar?

Essa questão na China está indo mais devagar do que desejávamos. Isso porque a desestruturação do mercado de aviação regional na China ainda é muito grande. Não existe um sistema de linhas aéreas regionais, as tarifas não têm compatibilidade com a operação e os impostos também não são adequados. É um processo que leva algum tempo, mas, enquanto não estiver resolvido, nós vamos sofrer para nos desenvolver como queríamos.

E, por aqui, o que impede a Embraer de vender seus aviões às empresas brasileiras?

Acho que os aviões só voarão por aqui quando for possível financiar aviões em reais. Não vejo outra forma disso funcionar. Nosso avião é bom, é confortável e tem preços competitivos. Agora, por que não entram aqui? Porque a estrutura de custo de capital para as empresas aéreas e a situação tributária desfavorável não permitem que elas comprem nossos aviões.

A Embraer não pretende atuar nessa área de financiamento ou mesmo leasing de aeronaves?

Não como propósito. Eventualmente, negociamos financiamentos como parte de uma operação, em um ou outro caso isolado, mas esse não é um negócio para nós. v