Título: Agricultura tenta se livrar da fama de vilã do desmatamento
Autor: Fatima Cardoso
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2005, Economia, p. B20

A agricultura brasileira não quer mais ser vista como a vilã do desmatamento e da destruição do meio ambiente. Cada vez mais surgem iniciativas que buscam aproximar a agricultura do conceito de desenvolvimento sustentável. Uma delas é o estímulo à integração da lavoura com a pecuária. Por esse sistema, que implica exploração alternada das áreas ao longo dos anos, com lavouras ou pastagens, é possível usar as propriedades de forma mais intensiva, reduzindo a pressão para desmatar novas áreas para a produção agrícola. A Associação de Plantio Direto no Cerrado (APDC) realizou um estudo, com o apoio das organizações não-governamentais (ongs) da área ambiental World Wildlife Fund (WWF) e Nature Conservancy, sobre o potencial de conservação da integração lavoura-pecuária. A pesquisa avalia que, numa projeção conservadora, seria possível disponibilizar 16 milhões de hectares de terras para a produção de soja, ou seja, 20% da área de pastos hoje existentes na região do Cerrado e na Amazônia (80 milhões de hectares).

"Com isso, poderíamos reduzir o impacto da fronteira agrícola na Amazônia e mesmo no Cerrado", aponta John Landers, coordenador de relações internacionais e novos projetos da APDC. Ele explica que a integração lavoura-pecuária vem sendo experimentada por vários produtores no Brasil há mais de 15 anos. No estudo, Landers destaca que estes produtores conseguem aumentar a lotação das pastagens de 2 a 3 vezes numa mesma área, dependendo da intensidade do sistema.

Isso acontece porque, na integração lavoura-pecuária, uma parte do pasto que já foi usado por muitos anos, e está degradado, dá lugar à plantação de soja. A área recebe, assim, adubos e correção do solo, e volta a ser produtiva. A própria soja, por reter nitrogênio, ajuda na melhoria do solo. Passado um tempo, a área volta a ser pasto e assim por diante, num processo chamado de rotação. Com pastos recuperados, é possível engordar um número maior de cabeças do que na situação anterior. O produtor não gasta com a recuperação das pastagens e ainda ganha com a soja. "Há um incentivo ambiental e também econômico na adoção da integração das duas atividades", diz Landers.

Mas a adoção desse sistema não é simples. O estudo destaca que o produtor ou o pecuarista precisam fazer investimentos em novas máquinas e novas tecnologias, além de ter de aprender uma nova atividade. "O perfil do pecuarista é diferente do agricultor, é preciso criar sistemas de arrendamento ou outros para estimular a integração das duas atividades."

INCENTIVOS

A APDC defende que o governo dê incentivos financeiros para quem fizer a integração lavoura-pecuária. "No médio prazo, o sistema é vantajoso para o produtor, mas no início ele tem um custo alto. A sociedade pode ajudar a bancar esse custo, já que terá em troca uma contenção dos desmatamentos", diz Landers. Ele destaca que a Embrapa vem trabalhando no desenvolvimento de técnicas para esse sistema. "Vários centros da Embrapa têm feito pesquisas de muita qualidade sobre o tema e mostram a viabilidade da integração."

Na semana que vem, acontecerá um grande workshop na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, Minas Gerais. Com financiamento da Finep e do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Embrapa está iniciando um programa de desenvolvimento e treinamento de cerca de 400 técnicos de todo o País no sistema de integração lavoura e pecuária. O projeto busca mostrar, segundo a Embrapa, que a "integração das duas atividades, se bem planejada e executada, traz tantos benefícios econômicos (por meio do aumento da produção da propriedade rural) como ambientais (pela recuperação de áreas degradadas, por exemplo)".

O conceito do que é sustentabilidade na agricultura, porém, está longe de ser um consenso entre produtores, estudiosos e ambientalistas. O WWF, por exemplo, vem promovendo discussões com o setor privado e associações de pequenos produtores para criar critérios de sustentabilidade ambiental e social. Para isso, está organizando um fórum sobre a sustentabilidade da soja em conjunto com o grupo Maggi (maior produtor mundial de soja), a Unilever, a Coop Switzerland (grupo de varejo de produtos sustentáveis na Suíça), a Fetraf-Sul (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul) e outros.